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  • Foto do escritorDr. Ophir Cavalcante

A COVID-19 e o Mundo do Trabalho



Os efeitos da chegada da COVID-19 em nosso país estão sendo sentidos em todos os âmbitos, sendo que o mais forte deles, por óbvio, é sobre a necessidade de preservação da vida humana. Nesse sentido, estamos vendo que os sistemas de saúde, mundo afora, não estavam preparados para enfrentar esse tipo de pandemia, o que nos remete à infeliz constatação de que isso decorre, na maioria dos casos, de incorretas opções políticas, expondo, mais e mais, as desigualdades sociais.


O mundo do trabalho sofre imensamente neste momento. De um lado as empresas, impedidas de produzir e, por isso, em grave crise financeira e, de outro, os trabalhadores, elementos mais frágeis nessa equação e sobre os quais recairá a maioria das consequências de uma possível “quebradeira” empresarial.


Nesse momento, sob críticas do movimento sindical e de outros segmentos ligados à luta dos trabalhadores, o Estado brasileiro editou, basicamente, duas Medidas Provisórias tentando reordenar as relações do trabalho em época de Coronavírus. O pressuposto básico foi o de criar instrumentos jurídicos que pudessem diminuir os efeitos da crise econômica derivada da pandemia.

As Medidas Provisórias em questão, que viabilizaram novas formas de relacionamentos entre patrões e empregados, foram as MP’s 927 e 936. Ambas, em síntese, tiveram como fundamento: (a) a preservação do emprego e renda; (b) a continuidade das atividades empresariais; e (c) a redução do impacto social da pandemia.


Especificamente, a MP 927 trouxe: (i) instituição do teletrabalho; (ii) antecipação de férias coletivas; (iii) aproveitamento e antecipação de feriados; (iv) compensação de jornada de trabalho por meio de banco de horas; (v) suspensão do recolhimento do FGTS referente aos meses de março, abril e maio, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, podendo ser pagos sem juros e multa a partir de julho, em seis parcelas.


A MP 936, por sua vez, criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com o objetivo central de impedir dispensas durante o período da pandemia, promovendo, de certa maneira, uma compensação para os trabalhadores que tivessem reduções de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho. O Programa consiste, no caso da redução salarial, no complemento, pelo Governo, de um percentual, obtido a partir da base de cálculo do Seguro-Desemprego a que o trabalhador teria direito em caso de demissão, variando entre R$ 261,25 e R$ 1.813,03, conforme o percentual de redução acordado.


Já no caso da suspensão, há duas possibilidades, dependendo do faturamento da empresa: para empresas cadastradas no Simples Nacional (receita bruta de até R$ 4,8 milhões) o governo vai pagar aos empregados 100% do valor que seria devido a título de seguro-desemprego; e, para empresas com receita bruta acima de R$ 4,8 milhões, o empregador terá que arcar com 30% do salário do funcionário, enquanto o governo pagará 70% do valor da parcela do seguro-desemprego.


As críticas dirigidas às Medidas Provisórias em questão partem do pressuposto de que não seria constitucional, diante da proteção de que gozam os direitos sociais insculpidos no artigo 8º., da Constituição Federal e ainda do próprio princípio da irredutibilidade salarial que impera no Direito do Trabalho, cogitar em redução salarial ou em qualquer outra forma de diminuição de direitos dos trabalhadores.


Com efeito, a Constituição Federal permite que haja a redução, embora estabeleça que a mesma deve ser precedida de negociação com o sindicato profissional da categoria, devendo cessar assim que se encerrarem os motivos de força maior que lhes motivaram, quando, então, será garantido o restabelecimento dos salários reduzidos. A própria CLT, igualmente, prevê a possibilidade de redução salarial acompanhada da redução da jornada de trabalho, em até 25%, respeitando o salário mínimo, em casos de força maior ou prejuízos devidamente comprovados.


Como se vê, portanto, a redução salarial não é uma inovação, sendo uma solução prevista de há muito em nosso ordenamento jurídico. A MP 936 meramente amplia as possibilidades de redução salarial, abrandando a rigidez das normas vigentes e as customizando ao atual momento de crise pandêmica com significativa repercussão na economia e nas relações trabalhistas, especialmente quando está pautada, como agora, em inequívoca força maior derivada da chegada entre nós da Covid-19.


É bem certo que a MP 936 previu a possibilidade de a redução da jornada e do salário, como que mitigando a rigidez da norma, ser acordada individualmente com o trabalhadores com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 e aos portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, R$ 12.102,00. Já no que tange aos empregados que recebem entre R$ 3.135,00 e R$ 12.102,00, haveria a necessidade de Acordo Coletivo para implementação da medida, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de 25%, que poderá ocorrer por acordo individual.


Essa espécie de mitigação ou mesmo de customização aos tempos de pandemia, trouxe, como compensação, a garantia de manutenção dos benefícios do contrato de trabalho e a garantia do emprego por um período igual ao da redução de jornada ou da suspensão de contrato. Isso se constitui em proteção ao trabalhador, pois, se o acordo for, por exemplo, de dois meses, terá ele estabilidade durante quatro meses.


Ora, não se trata da redução pela redução, mas sim da redução pela garantia do emprego, o que, dentro de um critério de proporcionalidade e levando em consideração a valorização do trabalho e da livre iniciativa, nos parece perfeitamente defensável. Tanto é verdade que o STF ao julgar a Medida Cautelar na ADI 6.363/DF, entendeu constitucional, em primeira análise, tal possibilidade, especialmente porque confere maior segurança jurídica e é dotada de limitação temporal e caráter de excepcionalidade.


O benefício emergencial será de prestação mensal e devido a partir do início da redução da jornada ou da suspensão do contrato de trabalho, devendo o empregador informar o Ministério da Economia sobre a celebração do acordo em até 10 dias e, assim, a primeira parcela será paga no prazo de 30 dias da data do acordo.


Não cumprindo este prazo, o empregador deverá arcar com pagamento da remuneração anteriormente devida ao empregado.


Se a empresa e o trabalhador optarem por uma redução da jornada e salário menor que 25%, o empregado não receberá o benefício emergencial pago pelo governo. Para reduções iguais ou superiores a 25% e menores que 50%, o pagamento do governo corresponderá a 25% do que o trabalhador teria direito a receber caso fosse demitido. Para reduções iguais ou maiores que 50% e menores que 70%, o pagamento complementar será de 50% do valor do seguro-desemprego. Por último, para reduções iguais ou superiores a 70%, o benefício será de 70% do valor do seguro-desemprego.


No caso de suspensão do contrato ou de redução de jornada e salário, o empregador também poderá pagar uma ajuda compensatória ao empregado, de natureza indenizatória, sem incidência de INSS, FGTS e demais tributos sobre a folha. Tal montante, nesse caso, não integrará o salário devido pelo empregador.


Se durante o período de suspensão do contrato de trabalho, o empregado mantiver as atividades, ainda que parcialmente e por meio de teletrabalho, ficará descaracterizada a suspensão e o empregador estará sujeito ao pagamento imediato dos salários e demais penalidades previstas em lei e em convenção ou acordo coletivo.


O recebimento do benefício emergencial não depende de cumprimento de período aquisitivo, tempo de vínculo empregatício e não impede o recebimento ou altera o valor do seguro-desemprego que o empregado venha a ter direito na ocasião de sua demissão.


As medidas podem ser aplicadas às empregadas domésticas e aos aprendizes, sendo vedada, contudo, a aplicação aos funcionários públicos, aos cargos em comissão ou titulares de mandato eletivo.


É possível ainda a aplicação cumulativa das medidas e do benefício aos trabalhadores que tiverem mais de um emprego com vínculo formal, salvo o empregado com contrato de trabalho intermitente que, fazendo jus ao benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00 pelo período de três meses, não poderá receber cumulativamente os benefícios.


As medidas em questão, certamente, ajudaram a diminuir a crise, o que se pode constatar pelos dados do CAGED, recentemente divulgados pelo Ministério da Economia, que estima que teriam sido preservados 8,1 milhões de empregos, sendo que 4,4 milhões tiveram seus contratos suspensos, embora tenha havido a perda, entre janeiro e abril, de 763.232 empregos formais contra 337.973 vagas criadas, o pior desempenho para o período desde o início da série histórica, em 2010. Os impactos da pandemia começaram em março e se estenderam por todo o mês de abril. Como resultado, a perda de vagas só nesses dois meses passou de 1,1 milhão.


Tudo é muito novo, muito diferente para todos nós. É muito triste ver pessoas que poderiam estar entre nós partindo; ver pais e mães de família desesperados por não terem como pagar suas contas e ver a dignidade do ser humano, um valor supremo da Democracia, ser posta à prova pela ausência de uma política sanitária justa. Temos esperança, no entanto, que, passando isso tudo, reconheçamos, como sociedade, a nossa fragilidade e passemos a praticar a solidariedade como forma de diminuir as nossas distâncias com os outros seres humanos.


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